Estou tomando nota do que deixei para trás. Preciso fazê-lo,
sob pena de entrar em uma deprê foda. Então ai vai: Lembro como era bom morar
na vila militar de Canoas, onde quebrei o braço ao cair de bicicleta e levei
uma bela paulada no supercílio ao entrar numa briga generalizada de moleques
insanos. Bom que foi só um grande susto, sem grandes consequências.
Lembro da última vez que vi meu pai, correndo na
rodoviária de Porto Alegre para me entregar um refrigerante, com o ônibus
saindo e eu dando risada, ele idem, vermelho do esforço. Dias depois a coisa ficou
confusa, porque tivemos que voltar as pressas de São Chico, já que ele havia
sofrido um ataque cardíaco, e falecido.
Depois veio o Colégio Militar, as amizades nerds e
insanas com tardes gastas dentro do Planeta Proibido, uma das únicas
importadoras de Gibis de Porto Alegre, onde contava as moedas para poder
comprar apenas uma revistinha, que hoje em dia não vale nada. Eita, nóis.
Trauma mesmo foi quando tive que sair do CMPA (e não me orgulho disso) por
falta grave. Ai as coisas parecem que ficaram mais rápidas. Fui para um colégio
particular cheio de mim, só para descobrir que não sabia nada de nada.
Mesmo assim fiquei "amigo" dos caras, até
porque tenho 1.90 e descobri que todos jogavam basquete. Nada como o esporte
para quebrar o gelo. Ganhei medalhas, namorei umas garotas, e jogava, jogava e
jogava, em todo o tempo livre que tinha. Era uma época boa, e ainda não tinha
idéia de que poderia ganhar algo desenhando "monstros", como dizia
meu irmão. Isso durou um ano, quer dizer, um dos melhores anos...
Passei para outro colégio, fiz curso técnico, joguei
basquete, mas nada mais foi como antes. Fui trabalhar, aprendi a fazer algo da
vida, comecei a beber (com 20 anos, o precoce!!) e achava que iria ficar rico.
Casei pela primeira vez, comprei um carro, fui morar sozinho, ainda pensando
que a vida era um mar de rosas. Rebolava para pagar a faculdade, trabalhar,
manter uma casa, e acabei parando de desenhar. Com o tempo, comecei a ver que o
trabalho não era lá essas coisas, apesar de o salário ser bom.
A vida então me alcançou. Me separei, vendi o carro,
sai do trabalho. Mas no meio disso tudo, conheci uma pessoa maravilhosa, e
percebi que mesmo depois de tudo dar errado, as coisas ainda podem melhorar. Voltei
a desenhar, e dessa vez decidi que ficaria rico desenhando. Casei novamente.
Desenhei. Procrastinei. Ganhei um afilhado. Perdi algumas (ou várias)
oportunidades
Então veio o tombo, longo e profundo. E esse doeu.
Ainda dói. Mesmo assim, parece que o sol não desistiu de brilhar para mim.
Mudei de cidade, mudei de vida, e agora corro contra a máquina, contra o tempo.
Ainda estou casado, mas não estou rico. Ainda desenho, mas parece que não muito
bem, porque não consigo ganhar dinheiro com isso. Amigos? Acho que realmente
nunca tive. Porque meu conceito de amizade não parece ser o mesmo das outras
pessoas.
Hoje? Hoje sou um cara meio solitário e, olhando para
trás, percebo que sempre foi assim. Nunca gostei de comemorar aniversário,
sempre sai das festas antes dos outros, nunca me abri muito com alguém. Bebo
menos do que antes, cozinho relativamente bem e tenho as manhãs livres. Estou
com a faculdade trancada e sem previsão de volta. Tenho um emprego, nada
diferente dos outros, que não me dá nenhum prazer, mas paga as contas. Mas pelo
menos acordo ao lado de uma pessoa linda, e isso é encorajador. Lamento mesmo é
não ter meus cachorros por perto.
Agora, é só tocar para frente. E criar coragem para
suportar as decepções (e felicidades, porque não?) que a vida
ainda tem reservadas para mim.
c.s.